Ir para o conteúdo principal
Arte da JAM no MAM Arte da JAM no MAM

Uma experiência narrada por Marcos Povoas

Eu estava lá; a ideia era fazer um freejazz, estilo de jazz onde não existe uma composição prévia servindo de base para o improviso, não existe um tema preexistente, a música é totalmente inventada na hora, uma criação livre, coletiva, espontânea, instantânea, é como se lançar no abismo, como viajar sem um destino, é a última fronteira do jazz.

Me lembro bem o que Ivan falou para a plateia antes de anunciar o início da música: “Nós vamos tocar agora um freejazz, Dom Lula vai começar um improviso e nós vamos segui-lo”. Pois bem, Dom Lula começou a tocar de um jeito que ninguém conseguia entrar na dança, a coisa parecia não ir para lugar nenhum, mas é do caos que surge a ordem e depois de um minuto e 30 segundos de música, Dom Lula para de tocar, e quando ele retorna traz uma proposta de célula rítmica que rapidamente é compreendida, ganhando finalmente a adesão de todos – tanto que​, no minuto dois, logo depois de Alexandre sacramentar o groove com uma linha de baixo muito massa, somos capazes de jurar que eles estão tocando uma música que faz parte do repertório deles.

Dom Lula segue no comando, Dedé (André Becker) traz uma melodia que ainda hoje guardo na lembrança, Mutti e Scott costuram a criação de Dedé com outras melodias... Perfeito. Esse clima maravilhoso acaba se esgotando e começa a perder força. Aos  quatro minutos e 30 segundos Dom Lula derruba a música e abre caminho para novas propostas. Rowney toma a frente e investe em um caminho que acaba não dando muito certo, Dom Lula percebe e aos seis minutos derruba novamente a música. Rowney novamente assume, desta vez no melhor estilo Scott, e traz uma melodia que remete a "ô Bahia, Bahia que não me sai do pensamento​".

Para mim tava tudo perfeito e merecia continuar como estava, mas Dom Lula resolve decretar novamente o “muda cacique” e passa a bola para a guitarra. Mutti, em mais um momento maravilhoso, visceral, evolui em seu improviso, levando a música ao ápice da loucura, desestruturando o tecido musical e apontando para aquilo que parecia ser o final. Mas eis que surge Dom Lula, atravessando​ essa nuvem de poeira polifônica com um samba acelerado e estabelecendo mais um novo momento. Pronto, chegamos em casa, onde brilham nossas estrelas percussivas: Jeã arrebenta, a música ganha um novo apogeu; o samba, que é samba, corre e Dom Lula conduz a música ao seu destino final, o delírio da plateia.

Viva Dom Lula Nascimento!!

*Marcos Povoas é cineasta e assinou, junto com Sofia Federico, a direção de muitos registros audiovisuais da JAM no MAM, como o programa Jazz na Madrugada, DVDs e a JAM no MAM Live. Para assistir ao vídeo Improviso, acesse o canal da JAM no Youtube ou entre nesse link.

Leia Mais:

Um jazzman brasileiro baiano - Cacilda Povoas fala sobre Dom Lula Nascimento
Dom Lula Nascimento - Inspiração eterna da JAM no MAM

Ir ao início